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17/06/2021
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Celso Vegro
Mobilização pelo distrato sinaliza disruptura dos negócios na cafeicultura

A agropecuária, dentre as diferentes atividades econômicas, constitui-se na que mais enfrenta riscos (fenômenos conhecidos e previsíveis), principalmente de produção (além da bienalidade tradicional) e de preços (alta volatilidade). As condições naturais em que se desenvolvem os sistemas produtivos embutem ameaças, como: comportamento do clima; surgimento de novas pragas e doenças; contágio por zoonoses; entre outras. Por outro lado, volatilidade de preços pode trazer substanciais perdas aos agricultores a depender das perspectivas do mercado.  

Em março de 2020 foi decretada pela Organização Mundial da Saúde situação pandêmica, passando a agropecuária a conviver com mais uma condicionante, além do risco intrínseco da atividade: a incerteza (fenômeno para o qual não há precedente anterior, por isso não se pode prever implicações). Na cafeicultura, por exemplo, temeu-se pela impossibilidade de conduzir as colheitas devido ao impedimento de trânsito de pessoas entre as regiões e as possibilidades de contágio no transporte das turmas. Felizmente, a imediata atuação das entidades de classe em produzir protocolos para as atividades de campo foram suficientes para que a colheita transcorresse sem maiores restrições. 

A somatória das duas variáveis (risco e incerteza) exige que o empreendedor rural estabeleça, antecipadamente, planejamento comercial capaz de mitigar a atuação dessas condicionantes em seu negócio (CPR, Futuro & Opções, Mercado a Termo). Nesse contexto, a introdução dos derivativos financeiros tem sido a estratégia mais usual para contratação de preço de venda que ofereça horizonte para o investimento produtivo. Na cafeicultura brasileira, nas últimas cinco safras, foi exuberante o crescimento na adoção de contratos futuros e operações barter com intuito de gerar, a partir de recursos antecipado por terceiros, o necessário fluxo de caixa para atender as operações de manejo e colheita conduzidas ao longo do ano cafeeiro. 

A contratação do hedge não apenas atende interesses das cooperativas e seus cafeicultores. A carteira de investimentos com aquisições de contratos futuros garante aos traders, exportadores, importadores e torrefadores (lamentavelmente, poucos ainda), capacidade em prever seus negócios e, adicionalmente operar as antecipações de crédito de exportação que imprime ainda maior perfil financeiro ao seu empreendimento. 

As operações barter, particularmente, trouxeram importante inovação para o rol de ferramentas de crédito à produção. Os conglomerados das indústrias de defensivos e de fertilizantes, por exemplo, com matrizes situadas em países centrais, apresentam capacidades de angariar recursos a taxas praticamente nulas e por meio de arquitetura financeira inteligente oferecê-las aos cafeicultores numa condição ganha-ganha ímpar. 

Em safras anteriores a contratação de hedge por parte dos cafeicultores garantiu sustentabilidade econômica para as explorações agropecuárias, pois em geral, sob assessoria especializada de corretores, foram celebrados contratos em que significativas margens foram capturadas frente ao mercado spot. Isso atraiu mais atenção dos ainda não aderentes a essa modalidade de comercialização, ampliando a possibilidade de proteção de preços a um maior número de cafeicultores. 

Inserida no ciclo de baixa, a safra cafeeira 2020/21 (comercial 2021/22) já prometia quantidade colhida bastante inferior àquela que a antecedeu (a qual aliás registrou recorde histórico contabilizando entre 65 a 70 milhões de sacas para as consultorias privadas e de 63 milhões de sacas para a CONAB) devido a intercorrência de distúrbios climáticos (escassez de precipitações e veranico sob elevadas temperaturas médias). Sob estresse, as plantas exibiram maior índice de abortamento de flores com formação de rosetas pouco adensadas (popular banguelas). Em novembro de 2020, como denota o gráfico de preços recebidos apurados pelo IEA/CDRS (1*), os sinais de que o encolhimento da oferta seria maior do que o previsto inicialmente provocou corrida de compras de contratos futuros por parte dos investidores em bolsas de valores. 

FIGURA 1 - Trajetória dos Preços Recebidos pelos Cafeicultores, Estado de São Paulo, set./2019 a maio/2021 

Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de IEA/CDRS, 2021 

Houve, portanto momento ideal para a realização do distrato. Entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021, o cafeicultor vendido a futuro poderia entrar em contato com o corretor/empresa detentora do seu contrato para solicitar o distrato arcando com a diferença entre a cotação registrada pelo título e o preço spot/dia no mercado a vista pela saca do produto acrescido de multa contratual. Sim, houve aqueles que o fizeram e descontados os custos do distrato contabilizam efetivos ganhos com a ascensão das cotações. 

Entretanto, a maior parte dos cafeicultores com parte da safra comprometida com entrega futura apenas assistiu a escalada das cotações (inclusive por indecisão de suas cooperativas e corretores em orientar uma posição especulativa que já se mostrava francamente favorável aos cafeicultores). A cada novo salto mais custoso se tornava o distrato e, portanto, mais inacessível. Exemplificando um cafeicultor posicionado para entrega em setembro de 2021 a R$650,00/sc: quando as cotações bateram em R$700,00/sc (fevereiro de 2021) demandaria R$50,00/sc mais multa e custos contratuais para desfazer o negócio, numa expectativa que essa perda fosse compensada por ainda mais altas nas cotações, fato que se comprovou agora com cotações acima de R$850,00/sc. Nesse preço atual, o desfazimento custa R$200,00/sc sem que se tenha qualquer garantia que possa chegar a R$1.050,00/sc para recuperar o custo do distrato.   

Defender o aporte financeiro por parte do governo para financiar os distratos poderia ser uma solução plausível. Entretanto, imaginemos que exista 10 milhões de sacas de café arábica travadas no futuro a R$650,00/sc. Demandando no mínimo R$200,00/sc para o desfazimento da operação financeira implicaria em desencaixe do tesouro de R$2 bilhões somente para atender a cafeicultura, que nesse mercado dos contratos futuros é dos menos relevantes. 

Solução amigável entre as partes é caminho promissor, pois tanto vendedor como comprador precisam manter relação harmoniosa para o bem dos negócios vindouros. O cafeicultor precisa melhorar sua rentabilidade para investir na lavoura e exibir ganhos de produtividade e de qualidade e compradores sempre ávidos por cafés que atendam ao gosto dos clientes nacionais e internacionais. Entidades como CNA, OCB e SRB poderiam assumir o protagonismo nesse esforço de repactuação amigável com transferências parciais dos excepcionais ganhos dos compradores para os cafeicultores, demonstrando seu comprometimento com a sustentabilidade econômica de seus parceiros comerciais. 

Entretanto, a atual mobilização de lideranças de cafeicultores pelo não cumprimento dos contratos é oportunista. Convido o leitor a pensar ao contrário, ou seja, nas seguidas safras em que os cafeicultores se beneficiaram de cotações futuras acima do preço spot auferindo vantagens financeiras sobre os detentores dos contratos. Alguém acredita que teria mobilização dos exportadores para não cumprir contratos? Levantar bandeira de não cumprir os contratos é oportunismo barato que vai sepultar anos de estímulo para que um planejamento comercial dos cafeicultores conferiria maior robustez econômica para suas explorações como tem sido comprovadamente observado nas safras anteriores. 

Tampouco a alegação de que as condições climáticas prejudicaram a possibilidade de cumprimento dos contratos pode ser aceita. Em empresas de corretagem sérias e nas mesas das cooperativas existem travas para que os cafeicultores não ofereçam mais que 30% a 40% de sua safra, mesmo porque o restante pode estar já comprometido com CPR’s e operações barter e, ainda, a manutenção de percentual (20% da safra em posse do cafeicultor) para o exercício de liberalidade especulativa, afinal café também é ativo financeiro de liquidez imediata, portanto é lícito especular. 

Todos assistem o drama vivenciado pela cafeicultura colombiana que em razão das manifestações cidadãs formaram-se barreiras impedindo o acesso das cargas de café aos portos de embarque. Empresas usuais clientes do café colombiano declarando que deixarão de fazer negócios com o produto devido a quebra contratual. As próprias autoridades do país já lamentam esse dano a imagem do Café de Colômbia que a tão custo preço construiu sua tão celebrada reputação. 

Sem dúvida que a temática é controversa. Pseudossoluções simplórias, como o não cumprimento dos contratos, trarão prejuízos para os próximos negócios. No mercado spot não há para quem transferir riscos, arcando isoladamente o cafeicultor com todos eles. A decisão de aderir ou não a mobilização iniciada pertence exclusivamente ao produtor, mas antes de tomá-la recomenda-se ponderação. Foram trinta anos construindo mecanismos que permitissem aos cafeicultores assegurar sua rentabilidade. Brigar com o mercado só produzirá perdedores. 

"Tivemos ganho significativo na nossa atividade com a melhoria dos preços do café, valorização dos ativos e acima de tudo otimismo no setor. Ferramentas, como vendas futuras, são  fundamentais, nos ajudaram a chegar até aqui e somadas ao crédito são vitais para o futuro de nossa atividade. Eu, assim como outros cafeicultores, também fiz vendas antecipadas a um valor abaixo dos praticados hoje, porém sobrou parte desta safra a ser vendida e outras próximas safras que poderei fixar e garantir bons resultados", disse Guy.

 

(1*) Disponível em: Preços Médios (iea.sp.gov.br)  


Sobre o autor: 

Eng. Agr., MS, Pesquisador Científico VI do IEA 

celvegro@sp.gov.br  

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